segunda-feira, junho 18, 2007

Proibições do fascismo português em livro


Licença para uso de isqueiro


Entrevista a António Costa Santos, publicada na revista Sábado desta semana, a propósito do lançamento de Proibido!, um livro que vem para avivar memórias. Ámen.

Paula Patrício fez o favor de transcrever a entrevista e eu vou ali fazer um copy/paste. Com a devida vénia, claro está.



Cá vai…


Chegou à hora combinada, acompanhado da mulher, Cristina, para beber café. Ela de calças (coisa feia), e ele de cachimbo e isqueiro na mão (sujeito a uma multa de 250 escudos por não ter licença). Há 40 anos, a entrevista com António Costa Santos não seria possível porque 'o ajuntamento de mais de três pessoas' podia ser considerado crime. O seu livro Proibido!, onde ironiza sobre a 'moral castradora da ditadura' e acrescenta um capítulo sobre 'as proibições ridículas que se mantêm em vigor' - também não existiria. E como afinal uma falha de electricidade não permite tomar café, despediu-se da mulher (57 escudos de multo pelo beijo público) para dar início à conversa com a Sábado. Apesar do medo que tem deste governo socialista 'com tendências autoritárias', não houve interrupções policiais nem multas a aplicar.


A primeira pergunta obrigatória é: onde é que estava no 25 de Abril?
Tinha 16 anos e estava no último ano do liceu. Era colega do neto do Américo Tomás e dos filhos de outras figuras gradas do regime. O Pedro Nunes era um liceu de elite, cheio de proibições.

E pôs muito da sua experiência neste livro?
Sim, porque o fascismo sentia-se no dia-a-dia, nas pequenas coisas. Eu levava uma estalada de um polícia à porta do liceu das minhas irmãs, o Maria Amália, porque os rapazes não podiam 'estacionar' à porta dos liceus femininos. fui detido, ao longo da adolescência, umas 20 vezes, por tudo e por nada. Por dar um beijo na boca a uma namorada, aos 15 anos, na praia de Santa Cruz, por exemplo. Houve umas velhinhas numa esplanada que não gostaram e chamaram a Guarda Republicana.


Uma das coisas que mais o impressionou na pesquisa que fez foi o tratamento dado às mulheres. Sobretudo a questão do emprego.

Sim. O marido podia pedir ao patrão que a despedisse e a mulher só trabalhava com a autorização do marido. Acontecia bastante no operariado, os maridos machos não quererem que a mulher trabalhasse, mesmo precisando de dinheiro.

O facto de não se poder casar com professoras também tinha a ver com isso.

O marido tinha a obrigação de sustentar a família. Portanto, para uma professora se casar tinha de apresentar um atestado do emprego do futuro marido em como ele ganhava mais do que ela. Caso contrário, o governo não autorizava.

E casar com enfermeiras foi mesmo proibido até Junho de 1974.
Isso tinha a ver com a necessidade de as mulheres casadas serem recatadas e sérias. Não podiam ter profissões que as expusessem à vida nocturna. E as enfermeiras tinham de fazer turnos de noite.

A mulher não podia sair do País sem autorização do marido, nem andar sozinha à noite...
Sim. Uma mulher que fosse a uma farmácia de serviço à meia-noite podia ser incomodada por um polícia ou por um guarda-nocturno, porque à noite só as prostitutas.

E até mostrar o umbigo era proibido...
Sim, o biquíni só começou a usar-se em 72 e 73. A parte de baixo era de gola alta e o sutiã era uma coisa bastante abrangente. Havia uma praia na linha, a do Tamariz, que era muito frequentada por inglesas e lembro-me de os rapazes fazerem excursões para verem os biquínis mais pequenos. Eu também.

E se fossem de bicicleta tinham de ter licença.
Eu nunca tinha e andava a fugir à polícia. Era uma fonte de rendimento das autarquias.

Tal como as multas por sacudir o pó à janela.
Isso ainda é proibido. Havia polícias especializados à espreita das limpezas matinais e as vizinhas até se denunciavam umas às outras. Era o espírito de nos policiarmos uns aos outros. E o Estado a todos.

E o que é que o Estado queria evitar ao proibir jogar às cartas nos comboios?
O vício. É a vontade do Estado de ser nosso pai e nossa mãe.

Mais conhecida é a censura na literatura, na música e no cinema. Mas havia livros que, surpreendentemente, não eram banidos, como Diários de Che Guevara.
Lembro-me também de A Infância, de Maximo Gorky, que comprei na Feira do Livro, em 1969. Mas a censura aos livros era completamente estúpida e aleatória. Invadiram uma vez a editora Europa-América e apreenderam o ABC da Culinária. Era mais para prejudicar os editores.

Onde é que se compravam os livros proibidos?
Eu sempre tive discos e livros proibidos em casa que se arranjavam nos alfarrabistas, onde havia códigos para comprar. Eu comprava - e isso é uma coisa engraçada - na União Gráfica, em Santa Marta, que era uma livraria ligada ao Patriarcado. A PIDE e a Censura recolhiam os livros proibidos em todas as livrarias menos ali, porque não era preciso. Então eu ia lá comprar os discos do Zeca, do Sérgio Godinho, do Zé Mário Branco. Quando sabíamos que estava para sair um livro de um escritor maldito, como o Manuel Alegre, ele punha o livro à venda hoje e a PIDE ia lá amanhã, no próprio dia a edição esgotava.

Que proibições é que o irritam?

Há uma série de proibições ridículas e desnecessárias. Por exemplo, é proibido plantar árvores de fruto ou plantas para alimento nos cemitérios. Mas alguém anda a plantar couves nos cemitérios? Outra coisa que não é proibida mas toda a gente acha que é, inclusive os agentes de autoridade: conduzir descalço ou com chinelos. O capítulo do livro sobre as proibições ridículas que se mantêm em vigor serve para provar que o proibido estava muito ligado ao regime mas é exclusivo do regime.

É uma questão cultural...
Acho que é cultural atávico no português. Ultimamente, não sei se por termos um governo que, embora socialista, considero que tem características autoritárias - impõe, pelo menos, o espírito do tem que se fazer e há agora este caso do professor que foi suspenso por ter feito uma piada sobre o curso do primeiro-ministro. Começo a ver as pessoas a comportarem-se como se fôssemos polícias uns dos outros.

O exemplo da Coca-Cola, proibida antes e depois do 25 de Abril, mostra que a proibição não tem a ver com a Esquerda e a Direita políticas.
Sim, o Partido Comunista foi contra a introdução da Coca-Cola e a favor da Pepsi, que era engarrafada numa empresa nacionalizada e, por isso, já não era a 'beberagem suja do imperialismo'. É cómico.

Ficou surpreendido quando Salazar foi agora eleito o Grande Português?
Não. Para já, não dou o menor valor àquela fantochada. E depois, apeteceu-me telefonar para lá e votar nele. Por brincadeira. Acho que há o voto militante, mas muitos daqueles votos são anarcas. Sendo anti-Salazarista de pai e mãe, porque vivi essas proibições, tenho mais medo do Sócrates e do ministro das Finanças do que de Salazar. Arranjam novos esquemas para proibir...


6 Comments:

Blogger Jota Hemme e Hesse said...

:) engraçado! Vou ler na Sábado também.

segunda-feira, junho 18, 2007 1:33:00 da tarde  
Blogger marta cs said...

:)

segunda-feira, junho 18, 2007 2:26:00 da tarde  
Blogger Ricardo said...

Isso é tudo conversa. O fascismo nunca existiu. O Eduardo Lourenço sabe-o bem... ;)

segunda-feira, junho 18, 2007 3:33:00 da tarde  
Blogger marta cs said...

Esse grande sábio!

segunda-feira, junho 18, 2007 4:13:00 da tarde  
Blogger Starglix said...

Clap, clap, clap, clap, clap!

=]

Beijinho!*****

segunda-feira, junho 18, 2007 8:17:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada por teres publicado a entrevista.

segunda-feira, julho 30, 2007 5:49:00 da tarde  

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